sábado, 16 de setembro de 2017

Um filme feminista? "À sombra das mulheres", de Phillipe Garrel

Philippe Garrel é um cineasta que muito prezo. Não assisti a todos os seus filmes, mas dificilmente saio ileso de uma experiência cinematográfica com algo que ele tenha realizado. Hoje essa experiência aconteceu com o filme L'ombre des femmes (À sombra das mulheres). De 2015, foi lançado no Brasil há pouco e merece ser visto. O filme trata, basicamente, do duplo padrão moral relacionado à sexualidade: homens podem trair, mulheres não. Diferente de muitos outros filmes recentes do diretor, seu filho (Louis Garrel) não aparece atuando, mas temos a chance de percebê-lo na narração em voz over. O filme é muito bem realizado e a fotografia em preto e branco não permite que nos dispersemos da beleza que é a Paris da vida cotidiana. Sem Torre Eiffel nem Champs-Élysées, é a cidade comum, com sua beleza "trivial" e absolutamente estonteante.
Um filme sobre relações de gênero, com ares feministas, feito com muita inteligência e sensibilidade.


Trailer (legendado, Português-PT):

domingo, 10 de setembro de 2017

Uma mulher fantástica

Outro post sobre cinema e gênero: o filme Uma mulher fantástica (Sebastián Lelio, 2017). Nem sabia de sua existência e comprei o ingresso apenas pelo (belo) cartaz e pelo elogio publicitário a Lelio,  apresentado como "possível sucessor do trono de Almodóvar". Não, não é o caso. Nada a ver com o universo do cineasta espanhol. E, de qualquer modo, não seria um elogio a Lelio, que merecer ter identidade própria. O filme é muito bom, ainda que não seja sensacional. Cai em alguns clichês, escapa muito bem de outros, e traz algumas sequências memoráveis (como aquela em que a protagonista visita a sauna que seu companheiro costumava frequentar). Outro elogio ao filme é seu caráter didático: de certa forma leva o público a refletir sobre a violência sofrida pelas pessoas trans, tanto simbólica quanto física. Pode parecer pouco, mas isso é (ainda) muito necessário.

Como nossos pais

Passando para registrar que assisti Como nossos pais (Laís Bodanzky, 2017) e gostei. É mais um filme da (boa) safra atual que aborda questões de gênero. No caso, a partir de uma mulher de 38 anos, em crise enquanto mãe, filha, esposa e profissional, em um mundo (ainda) marcado por valores patriarcais. Vale o ingresso!

domingo, 27 de agosto de 2017

Mais um da Coppola

Sofia Coppola é sempre garantia de um bom filme. Hoje fui assistir O estranho que nós amamos e gostei muito. A fotografia é linda, a história é conduzida de um jeito leve (o que foi um dos motivos de críticas ao filme, que é um remake) e muito convincente. Talvez porque eu esteja um tanto imerso nas discussões de gênero nos últimos tempos, mas achei o filme de um feminismo muito bem apresentado. Mulheres no comando, em tempos de guerra. Vale muito a pena. 

domingo, 20 de agosto de 2017

Sentimento azul

Tem dias que a gente sente uma tristeza profunda, que não sabe bem de onde vem. Parece uma mistura de várias tristezas. Fico lembrando do filme Divertida Mente (Inside out, 2015). A figura da tristeza é realmente cativante, e tem uma importância crucial na história. Sem ela, a alegria sequer consegue cumprir seu papel. No começo, parece que ela atrapalha, mas não há crescimento sem tristeza. Assim, vivamos bem com a nossa, deixemos que ela venha de vez em quando, nos chame à realidade, e depois deixemos ela no seu lugar, guardada no cantinho da alma. Em dias chuvosos e frios ela irá aparecer. Talvez fique um pouco, talvez vá embora logo. Só não podemos ignorá-la, pois ela sempre terá algo importante a nos dizer. 

sábado, 8 de abril de 2017

A excêntrica família de Antonia ou a crônica onde nada se conclui...

Passei o filme A excêntrica família de Antonia para meus alunos. É um dos meus filmes favoritos, e me ajuda com a discussão sobre relações de gênero. Mas o que mais me impacta nesse filme não é a discussão de gênero em si (lembrando que a diretora, Marleen Gorris, é feminista). O que mais me deixa sensibilizado nesse filme é a capacidade, sobretudo das mulheres, de saberem o que querem e se recusarem a fazer qualquer coisa que se afaste disso. Secularmente, esse é um privilégio masculino. Mas acho que raramente as pessoas fazem o que querem, mesmo os homens. E o filme sugere que é possível seguir os sentimentos e, a partir disso, construir uma existência. Antonia, viúva, mãe de Danielle, aceita a amizade do fazendeiro Bas e, depois, seu amor, mas sem se casar com ele. Danielle quer um homem para ser o pai do filho que deseja, mas entregará seu coração e seu corpo apenas para Lara, a quem vê como a Vênus, de Botticelli. Thérèse, filha de Danielle, só sabe amar a matemática e a música clássica, e sente um carinho muito especial por seu primo "bastardo" Simon, com quem tem uma filha, Sarah. As mulheres do filme recusam-se a fazer algo que esteja além de seus desejos e projetos, e isso é lindo. Nada disso acontece sem sofrimento, mas nenhuma delas está disposta a fazer concessões. Por isso, e por muitas outras coisas, o filme não é apenas sobre mulheres, ou sobre o feminino, ou o feminismo: é sobre o humano, tão lindamente expresso através das mulheres maravilhosas do filme.





Filme, na versão dublada (a única completa que encontrei on-line)



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

10 anos do blog!

Quando comecei esse blog, no dia 27 de fevereiro de 2007, foi por estímulo de amigos. Havia uma febre, muita gente era blogueiro. Comecei achando que o blog não duraria. Mas durou. Foi um espaço interessante por um tempo, especialmente entre 2008-2009, tempo de escrita da tese de doutorado. Eu morava em São Paulo. Eu tinha 28 anos, quase 29. Eu me achava maduro, imagina, era uma criança. Farei 39 anos em abril, e tanta água passou por baixo da ponte que nem daria pra contar. Mas um pouco dessa história está no blog. Filtrada, pensada, um tanto fabulada, mas está. Houve os tempos de silêncio, acho que foram os mais difíceis. Não quis registrar. E 10 anos se passaram, e quase não percebi. Vou ficar mais atento.

O Sonho

Esse é o primeiro ano do resto da minha vida. Vou começar a dar aulas em um lugar que sempre quis, após muitos anos tentando lá e também em outros lugares. Foram quase 6 anos prestando concursos, gastando dinheiro, sofrendo muito com as derrotas, aprendendo mais ainda com elas. Mas, claro, não aconteceu do jeito que eu imaginava. Nunca é. Veio num momento dos mais conturbados e tristes. A cena que idealizei nunca se concretizou. Tudo se misturou. A vida é assim, esse caos, não tem jeito. A gente vai dando sentidos, vivendo como pode, mas não é uma linha reta onde a gente vai simplesmente atravessando obstáculos. Por isso é preciso ter projetos. A vida acadêmica ajuda nesse sentido, pois sempre temos um desses na manga, não dá pra viver apenas dando aulas. Mas é preciso projetos pessoais, metas a cumprir, sonhos a realizar. Sem isso, nada feito. Sem o sonho não se vive. 

Magritte. La condition humaine (1933)

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Apego

Sou uma pessoa apegada. Tenho dificuldade em me livrar das coisas. Exemplo: esse blog. Vai fazer 10 anos que ele existe, e eu fico pensando: o que fazer com ele? Deixar aqui, sem atualizar? Fechar o acesso público (como já fiz muitas vezes)? Excluir definitivamente? Não sei. Outro dia apaguei milhares de mensagens antigas de e-mail, foi uma grande experiência de desapego. Meu HD externo de 1 Tb está com 100 Gb livres apenas. Sigo acumulando bytes. Não sei mesmo lidar com isso. Se esse blog continuar existindo, me pergunto qual seria o motivo. Público não tem (já teve, na época em que vários amigos eram "blogueiros"), apenas eu mesmo ou algum leitor eventual que não deixa registros. Não sei mesmo. Mas deixa ele aqui, só por hoje.

Post sem título

Normalmente um post começa com um título. Não foi o caso deste aqui. Estou na quarta frase e ainda não sei sobre o que vou escrever. Ontem assisti, pela enésima vez, o filme As Horas. É um dos meus favoritos. Em uma das falas de Richard, o escritor a ser homenageado na festa planejada por Clarissa, ele diz que o ato de escrever, para ele, era muito especial: falar sobre tudo o que acontece em um mesmo momento. Isso é realmente algo incrível, e apenas uns poucos escritores conseguem fazer isso bem. Isso é coisa de artista, de poeta. Lembro de um texto do Rubem Alves em que ele descrevia a fala de uma mulher que achava estar enlouquecendo, pois começou a chorar ao descascar uma cebola, não por conta de uma reação comum nesses casos, mas por ver a beleza da cebola em si, sua textura, como sua cor mudava conforme a luz batia nela. Rubem Alves disse para ela: vou não ficou louca, ficou poeta! Eu não me lembro onde ele escreveu isso, nem se foi exatamente assim, mas sei que foi ele. Sempre gostei muito das crônicas do Rubem, um jeito simples de falar sobre coisas complexas. Teve um período da minha vida em que lê-las foi muito importante. É bom que ajuda a gente olhar para o cotidiano, para o presente. Em geral oscilamos entre a ansiedade por conta do futuro e o saudosismo sobre o passado, que só parece bom porque já não existe. Eu me pego às vezes nesse jogo bobo. Planejar o futuro é uma coisa, sofrer por ele excessivamente, é outra. A mesma coisa sobre o passado, como ficar lembrando sobre a simplicidade do mundo quando se gravava fitas K7 com músicas que tocavam no rádio. Que porcaria era aquela? Som horrível, chiados, músicas cortadas ao meio com a voz dos locutores. Enfim, tudo é jeito de fugir do presente. Por isso estou escrevendo hoje. Simplesmente porque senti vontade. Está feito.


quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Caos e sentidos

Quase não me lembro direito quando criei esse blog, acho que foi em 2007 ou 2008. Esse espaço foi muito importante durante um tempo, ajudava a organizar minhas ideias, praticar a escrita, sobretudo por ter coincidido com o período de pesquisa e escrita de minha tese de doutorado. Depois de um tempo, baixou a empolgação, e até tirei o blog do ar. Mas é legal que ele esteja aqui, esperando minha vontade de escrever.
Ano passado, precisamento há um ano, meu gato Pedro, que tanto amava, se foi. Que baque terrível. E hoje fui visitar o espaço onde jogamos suas cinzas, um lindo parque, onde há outros gatos. Foi bom ter ido. É importante encarar determinadas situações. A saudade ainda é grande, e acho que só tende a aumentar, mas agora ocupa um espaço preciso do meu coração.
2016 foi um ano bem intenso para mim. Mudei de cidade para dar aulas em uma universidade bacana. Não ganhei muito dinheiro, mas foi uma experiência linda. Foi um ano de tanto trabalho, especialmente no primeiro semestre, que achei que não daria conta, mas dei. No meio do ano, o maior dos baques: minha mãe teve um AVC, bem sério, mas não se deixou levar por ele. Porém, hoje é outra mulher, não fala, não anda, mas mantém o mesmo olhar comunicativo que tinha antes da doença. Seus olhos sempre foram um espelho de sua alma. Esse incidente mudou minha vida. Sofri e sofro muito desde então, mas estou feliz por ela estar viva, e torço para que ela melhore, para ter mais qualidade de vida. No meio desse turbilhão eu consegui o emprego que sempre quis, ser professor em uma universidade pública. Daí foi uma mistura insana de sentimentos, mas é a vida mostrando o quão ela pode ser complexa e sem muita ordenação. E, nesse caos, onde há de tudo um pouco, sigo dando meus sentidos para essa realidade doida. 
E vamo que vamo, bola pro mato, que o jogo é (sempre) de campeonato.
;)


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Trilha sonora: Roxette Unplugged, 1993