segunda-feira, 30 de abril de 2018

O amor

O que é o amor - perguntava Haddaway nos anos 90.
Camões dizia que é um fogo que arde sem se ver, e Renato Russo iria bater na mesma tecla.
Haneke iria sugerir que até um homicídio pode ser prova de amor. 
Bem, hoje para mim o amor foi um gatinho que conheci ontem. Escutamos chorar na rua em frente de casa - eu ia ignorar e tocar a vida, mas o Alê insistiu em procurar. Achou, sujo, sob os carros da rua, bravo, negro, corajoso, mas miudinho de tudo. Levamos leite, mas ele não deu as caras. No dia seguinte, um porteiro da rua nos chamou, ele tinha voltado. Alê foi lá e o trouxe para casa. Fiquei bravo, pois a gente não poder ter mais gatos, a nossa gatinha é ciumenta e hipertensa, não gosta de concorrência. E agora? Acionei minha rede mas parecia que nada iria acontecer. Esse gato miou a noite toda, pois o deixamos preso no banheiro, por causa da Capitu, nossa rainha felina. De manhã marcamos uma veterinária, que o examinou, vacinou, vermifugou. E depois disso, ele se aninhou no meu colo como se fosse meu. Me abraçou, me lambeu. Parecia que queria ficar. Mas alguém o quis, a melhor notícia! Eu fiquei aliviado, ele teria um lar, a Capitu ficaria bem, e a gente também. Mas era tarde. Agora ele já havia me conquistado. Quase voltei atrás na decisão de dá-lo para adoção. Mas não voltei, essa era a decisão acertada. Ele teria um lar carinhoso e com proteção. A Mega Sena dos gatinhos. E eu fiquei feliz, mas também triste. Agora meu coração estava marcado por ele, para sempre. Já sinto saudades de Otello (nome que o Alê tinha dado para ele, para o cadastro na clínica veterinária). Ele faz parte da minha história. Ou seja, em menos de 24 horas juntos, já nasceu o amor. Não precisa uma vida, basta um olhar. O amor não tem nada a ver com tempo, mas com encontros.
Para sempre Otello!

domingo, 15 de abril de 2018

Mulheres e cinema (Deixe a Luz do Sol Entrar & Madame)

Coincidência ou não (provavelmente, não) nas vezes que vou ao cinema (que poderiam ser mais frequentes, infelizmente) assisto filmes que tratam de relações de gênero (ver últimos posts). Na semana retrasada, fui ver Deixe a luz do sol entrar (Un beau soleil intérieur, Claire Denis, 2017) e ontem assisti Madame (Amanda Sthers, 2017). Em ambos, as diretoras e as protagonistas são mulheres. Pensei em assistir Com amor, Simon (Love, Simon), que é de 2018, que também trata de gênero, no caso, sobre um rapaz homossexual lidando com essa questão, mas vai ficar para a próxima vez.
No caso de Deixe a luz do sol entrar, fui ver simplesmente porque amo Juliette Binoche, que talvez seja minha atriz favorita. São duas horas de overdose de Binoche na telona, puro deleite! O filme fala de relações amorosas, sobretudo do ponto de vista de uma mulher na faixa do 50 anos que, ainda que bem sucedida, realizada profissionalmente e financeiramente, é frustrada pelo punhado de homens medíocres que aceita com pares românticos. Penso que o filme seja mais bem compreendido por mulheres que por homens, embora haja ali elementos relacionados à condição humana que valem para todo mundo. A questão de classe não é muito colocada, pois se trata de uma grupo social específico (artistas, banqueiros etc.), embora um dos amores da personagem de Binoche seja de um status considerado inferior por ela, motivo pelo qual eles não duram enquanto par. Vale muito a pena, sobretudo pela forma dos diálogos: monótonos, repetitivos, por vezes semelhantes a uma sessão de análise. Aliás, quase no final do filme, Gérard Depardieu surge como um guru de Juliette (no caso, da personagem Isabelle) que tem ares de terapeuta. As  cenas arrastadas e monótonas levam o público do cinema ao desespero: pessoas falando no meio do filme ou indo embora ("Também, porque ver um filme francês, dá nisso", foi o tipo de coisa que escutei na sessão). Penso que vale muito a pena.

Cartaz do filme, com Juliette Binoche

Madame, embora traga a questão de gênero como pano de fundo, tem muito mais um recorte de classe.  No filme, a socialite Anne, interpretada por Toni Colette, obriga sua governanta, a dedicada Maria, imigrante espanhola vivida por Rossy de Palma, a participar de um jantar com pessoas muito importantes da sociedade, para completar 14 pessoas na mesa (13 seria um número de azar, no caso, e isso não poderia acontecer, segundo a anfitriã). Mas o tiro sai pela culatra e Maria rouba a cena, sendo confundida com uma condessa espanhola. O filme vai lidar com a questão de classe de forma muito direta, quando Maria começa a se pensar como um indivíduo e sua patroa lhe diz que aquele não era seu mundo. Não vou dar spoilers, mas o filme vale muito a pena, por ser uma crítica à hipocrisia da sociedade, seja em termos de relações amorosas, seja em termos de lutas de classe. É um filme em que rimos muito, mas do qual não saímos ilesos. Embora não seja lá muito original, é divertido e reflexivo. E não dá pra perder mais essa bela interpretação de Rossy de Palma, uma das pérolas que Almodóvar fez o mundo conhecer.

Roissy de Palma, na pela da governanta Maria, na cena em que realiza sua performance no jantar.