quarta-feira, 2 de maio de 2007

Sobre a aquarela


"Que coisa explêndia é a aquarela para expressar atmosfera e distância, de modo que a figura é envolvida pelo ar e pode respirá-lo, como de fato era."
[Vincent van Gogh, Carta 163, por volta de 18 December de 1881].



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Desenho ou pintura? A técnica da aquarela sempre promoveu a mesma polêmica desde os primóridos da pintura acadêmica. Vista como algo inferior à pintura a óleo, essa técnica em que os pigmentos se encontram suspensos ou dissolvidos em água, nunca teve muito espaço nas grandes academias de arte.


A razão disso é que, por ser uma tinta de secagem rápida, geralmente aplicada sobre um papel de elevada gramatura, a aquarela exige um trabalho rápido e, geralmente, em pequenas dimensões. Isso, por outro lado, é sua maior qualidade. Por exigir uma aplicação rápida, a atmosfera presente nos trabalhos em aquarela são dotados de traços rápidos, ausência de contornos definidos e muita transparência, pois o branco da imagem é conseguido pelo próprio papel e a aplicação maior ou menor de tinta (ou água) nessas regiões determinará a luminosidade. Talvez por isso que Van Gogh dissesse ter a impressão de perceber o ar circular livremente ao redor da figura pintada. Veja abaixo que belo trabalho utilizando a aquarela :

Não é como se as flores e o ar se misturassem? Não se tem a sensação dessa brisa que percorre as pétalas e folhas?

Há muito tempo, quando comecei a ler sobre o assunto, vi em um manual técnico que a aquarela não é nada mais que uma mancha bem feita. Bem, de maneira geral, toda pintura é um conjunto de manchas e linhas intermediárias. Mas a particularidade da aquarela é a ausência de contornos definidos e a aplicação rápida. Talvez seja por isso que a primeira obra de arte abstrata, criada pelo pintor Wassily Kandinsky, tenha sido uma aquarela, em 1910:



Kandinsky, Primeira Aquarela Abstrata, 1910.

Outros artistas, anteriores a Kandinsky, usavam a aquarela, mas em obras figurativas, como por exemplo, Vincent Van Gogh, que criou cerca de 150 aquarelas ao longo da vida, como o trabalho abaixo:




Van Gogh, Peixes no barco de pesca, cerca de abril de 1888.

Pela natureza ágil e instantânea, além do fácil manuseio, a aquarela muitas vezes era utilizada pelos artistas como um primeiro trabalho, um esboço, para depois poderem trabalhar com calma em uma pintura a óleo, por exemplo. Os artistas que por excelência usavam a aquarela como técnica eram os pintores viajantes do séc. XIX, como Thomas Ender e Debret, que estiveram no Brasil nos primeiros anos de 1800. Ender ficou cerca de um ano no país e realizou inúmeros trabalhos, como esse abaixo:


Thomas Ender - Portal de entrada do Palácio Real de Sao Cristóvão (Rio de Janeiro)


Jean Baptiste Debret, que ficou no Brasil por quinze anos, realizou mais de 500 aquarelas sobre o país, obras que levou para a França em 1831 para publicar em seu livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Hoje essas aquarelas estão no Museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro (na postagem anterior há outras informações sobre Debret).

Enfim, independente do status atribuído à pintura com aquarela, trata-se de uma técnica única, dinâmica, cujos trabalhos resultantes são sempre transparentes, luminosos e coloridos. Um outro detalhe: toda aquarela é efêmera, não é feita para durar para sempre: o tempo a descolore, uma gota d'água pode destruí-la. Por tudo isso, pela beleza e pela fragilidade, é que a aquarela é uma metáfora da vida: pode até não ser eterna, mas a sua beleza é indiscutível. Pelo menos para mim.

"Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar. Vamos todos numa linda passarela de uma aquarela que um dia enfim descolorirá".

[Aquarela. Toquinho/Vinicius de Moraes]

Albert Dürer, Lebre jovem, 1502, Aquarela e gouache em papel.

Um comentário:

Cristina disse...

Sabe que eu nunca tinha parado pra pensar nisso? ...